sábado, 9 de maio de 2020

A Tartaruga Negra e a Ave Vermelha






            Num mundo longínquo nas brumas dos tempos remotos habita uma tartaruga na ínfima caverna entre as montanhas de uma ilhota ao norte dos mares gelados.
            Ao final de cada ciclo natural completo ela protrui o pescoço para fora da morada sombria. De modo a perceber todo o movimento dos quelônios alvoroçados imbuídos de fazer os primeiros preparativos para os festejos primaveris da colônia no aguardo das eclosões dos ovos dos recém-chegados convivas.
            Sheng (quer dizer nascer, nascimento), a tartaruga-fêmea da ilha negra do norte possuía um ar ascético entre os da sociedade quelônia. Talvez pelo seu interesse em assuntos do viver na espontaneidade e do invisível que sentia em si própria as influências eficientes do vento espontâneo no interior da casca e entre ela e em tudo mais ao seu redor. Ao contrário dos demais que tinham certo desinteresse pelos afazeres daquela sociedade insular.
            Há quem diga que ela possuia costumes exóticos e às vezes, até mesmo, incompreensíveis pelos insulares dos outros arquipélagos, ou, até mesmo, pelas suas compatriotas. Ora, o que se deve pensar daquela que, no alvorecer estica o pescoço sobre a rocha mais elevada do penhasco, emite um som longo e estridente ao se manter imóvel durante horas. Enquanto isso, todos os demais se despreguiçam, içam-se, em passos curtos e lerdos ao moverem-se na busca obsessiva de alimento.
            Qual a finalidade de comer, simplesmente? Enchem-se a pança, mas esvaziam-se no mais profundo e interno. Ou, buscam a longevidade centenária tartaruguiana por meio de hábitos desconcertantes, como na ingestão do alimento da imortalidade. Com seu abissal pleno, o alimento deixa de ser o objeto principal da vida e tornam-se as influências sutis as reguladoras de toda a vida e de tudo no viver no visível e no invisível.
            Parece que a nossa personagem é exótica para uma tartaruga, diferente das demais. Ela ocupa-se na busca incessante e espontânea da sintonia com tudo e todos, num constante processo,no percurso do saber-viver em que o centro é o tao.
            Ah, essa tartaruguinha aquática costuma desaparecer aos olhos das outras tartarugas. Cada dia, numa nova empreitada... Ela procura cruzar os distantes mares. Ela vai cada vez mais além.. Chega a alcançar os quatro mares sem nenhum começo, muito menos não tem o fim! Sem exageros de minha parte.Isso mesmo! Não pensa na criação, criador, criatura,sobrenatural. Tudo é um funcionamento processual, um percurso de continuidade e alternâncias cíclicas do . Potência da vida, nem alma, nem matéria, nem os dois ao mesmo tempo. São os sopros, os ventos de duas qualidades yinyang, oculto e aparente, ou escondido e manifestado, luminoso e sombrio. E não tem nada a ver com a luz e as trevas da espiritualidade que se costuma apregoar, converter, convencer. Bom eu penso assim. Talvez vocês aí, voc~e , ou você, talvez tenham outro pensar e respeito. Pode até ser outro pensamento de uma outra vivência cultural que não seja a da China Antiga nem tampouco do Ocidente com o Oriente médio e Indo-europeu.
 Ah, mas que não foram criados, nem soprados por ninguém. É isso mesmo!
O espontâneo, a via da espontaneidade, o tao. Ele está ao nível de tudo e de todos. Essa tartaruga não é mística. Pode ser até que é o que dizem dela. Mas, é porque ela é exótica para as outras compartes, estranhamente estrangeira, quase uma extraterráquea, não compreendida pelas próprias participantes do grupo do outeiro supra-aquático.

Quando se chega ao fim é que já está no seu começo... Sempre ao voltar, se depara com os da ilha, os preguiçosos tanatônicos, que sob a luz solar dormitam ou insistam na lenta e duradoura falta da marcha espontânea, numa meditação sem fim. Porém, seguem semi-conscientes nas suas concatenações desenfreadas e mal pensadas espreitadas em direção à comida assaz desejada.
            Desta vez conta aos desinteressados e escassos ouvintes que chegou muito próximo da linha divisória com a ilha do leste (se é que há divisão, pensa ela, num mundo real-imaginário e este real não-visível e indizível, que em tudo há).
            Qual leste, que nada! Nisso, todos concordavam sem dar o mínimo de crédito à aventureira negra.
            Nem adianta mais dizer que ela quase se afogou na correnteza marítima e persuadida de sua convicção esforçou-se além de suas possibilidades no enfrentamento do naufrágio. Isso não bastasse defrontou-se bravamente com os vorazes e esfomeados tubarões gigantes. Famosos, naquelas paragens oceânicas por serem comedores de tartaruguinhas idealistas (principalmente exóticas e esquizóticas). E, mesmo assim, que a enxergassem como uma de fora e diferente das outras, assim mesmo, venceu predadores e revoluções dos mares, a nossa perseverante aquática negra.
E, ninguém se impressiona, nem tampouco atende ao chamado dela.
– Hei! Vocês... Venham cá, a vida não é só isso o que vocês repetidamente fazem e nem bem sabem: o por quê. Mas saber para quê? A vida parece ser apenas feita de costumes, os usos de comer o alimento do imortal, bebericarem-se o xarope da imortalidade e, enxaroparem-se na tanatose mental, procriar o embrião que jamais deixa a casa, a casca da vida...
Mas, em contrapartida, alhures habitantes ilhóticos e tartarugueses preferem nada, nadar e nem pensar nisso ou naquilo outro, eles têm suas metas, metamorfoseiam-se sem perceber que o que muda é por fora e por dentro. Nada muda! Porém, para a nossa tartaruga há a transformação ininterrupta e silente no interno. Para ela a sutileza interior permite a transformação silente e inescrutável. Ah, então incita a mudança por fora qual uma raiz de árvore que nascerá a cada movimentação no in-formal, pela sutil transformação constante e ininterrupta, de acordo com a propensão da ocasião. E, em cada respiração uma nova transformação começa no inefável e continua sem rupturas no perceptível do mais ínfimo ao infinitamente grande e visível.
Desse jeito está sempre ela propensa ao acontecimento, a ocorrência propícia de modo espontâneo sempre sob a influência do vento, da expansão celeste e original. E, nisso não se importa ela em tirar proveito da situação, se será a melhor ou a mais esperta. Mas, sim do momento oportuno, na busca do espontâneo original encontra-se nele sempre o nascimento de uma ocasião propícia, disso a eficácia.
O melhor resultado é o que mais importa, no percurso das coisas dos afazeres, sem importar-se com os efeitos que provém da causa. Deixa-se a causa de lado, ela não faz falta para a vida plena. Que fiquem efeito e causa para os especialistas das especulações. A vida pode ser vivida plenamente desvinculada da preocupação com a causa. Quem criou? Quem fez? Qual a origem? Onde tudo começou? Para onde tudo vai? O que é isto? Qual o efeito disso? Para onde leva tudo isso?
Ela replica: nada quero, pois o querer é egótico e ambicioso. Mas, não me solto na correnteza marítima. E, sim, vivencio intensamente o advir da propensão no meu íntimo e neste, a minha obtenção do espontâneo, do assim por assim mesmo, simplesmente. O taoista é simples por isso.
Não é o que é fácil é o viver espontâneo. E, o resultado vem e vai, bascula-se e a escolha é a ocasião, não ocasional, mas na raiz de tudo, no espontâneo. O momento oportuno, o momento propício, sim esses interessam, apenas isso. E isso é tudo e tudo é isso.
 E, se fosse eu um sábio não pensaria, de certo. O sábio nada sabe sobre as coisas, mas vai, além disso, pois, interessa-se ainda mais, com a relação das coisas, em obter o tao, estar em sintonia, fazer eco com as coisas dentro de si mesmo e entre si e as coisas que o cercam, com o céu, a terra, com tudo como uma sinfonia. São os entre-meios e não a coisa em si: o eu quero isso, ou é isso o que é, e se é isso o que é, que mais se vale. Não tem valia porque me interessa: como é isso? Como tudo funciona? Isso sim, como funciona isso é o tao.
Mas, não se necessita de nada mais, pois se têm a raiz invisível e chegar até esta se deixando brotar o fruto, que não se faz, nem se produz, também não é agente da passiva, transforma-se da sutil originalidade que acontece no espontâneo. É o saber sem se preocupar com a sabedoria. Nesta o objeto em si não é a meta, nem tem maneira objetiva e muito menos se almeja. Não me inspiro em nada, apenas respiro o sopro, que por ninguém foi soprado, mas pelo vento fonte; nem sacro, nem pro-fanum, apenas traço meus passos no com-passo e com-tudo e mais-nada é tudo com todos e todos com um. Não o um supremo ou o uno. Mas, na medida das coisas de uma ação eficaz não interferida, cuja morada, também se move dentro de mim. Sendo dessa maneira obtenho o agir sem interferir, fora de mim, que juntos formam uma dupla inseparável na dosagem da medida justa e mediana, no meio justo, nas justas relações, sempre se levando em conta as relações que devem ser justas.
E, se nada falo, ajo por dentro, se nada falo é porque não penso, por fora; fica sus-penso, então não penso. É que o pensar é também o pensar não ativo, que fica na mesma condição das coisas pensadas. Isso é o pensamento yinyang, inseparáveis, juntos são pares de complementos no pensar de correlações e sintonias em pares, em quíntuplos, cinco fases. Aí, deixo e minha estratégia é simples: não ter estratégia.
O funcionamento relacional é o fundo da vida, sem nenhum fundo, lá no fundo que há, que toma a frente e que de ante-mão é a mão antes de tudo, que é a extensão do centro da vida que fica no centro do peito, que não se conta nos dedos, acena-se, gesticula-se no gesto do invisível espontâneo, influente eficiente, que de tudo é fonte do vento, que influencia num processo contínuo. Assim, acontece assim, simplesmente... O simples é o sutil, que se muda, no denso, se transforma em silêncio e assim nascem todas as coisas e se estas são a vida, por assim só, continuamente, sem antes nem depois, no acontecimento pela transição espontânea, por isso mesmo e assim por assim mesmo, sem mais nem menos...
            Dia após dia, ela não se entretém na luta pela vida comum, como é com todas as outras. Quer saber, eu não duvido disso. Agora compreendo que se não cogito e nem ego sum espontaneamente vivo experiências e justas relações.
Mas, se as senhoras das receitas da longa vida laboram em ultrapassar as suas possibilidades tartaruguêsas ao encontro da comunicação visível-invisível e vice-versa. Talvez seja porque as tartarugas se esqueceram de suas ancestralidades.
Ah, Gui (lê-se kuei: tartaruga, em chinês) lembra-se bem dos ensinamentos transmitidos pelos seus pais, os quais foram a última linhagem ritualizada dos antepassados.
A tartaruga ancestral edificou através dos sopros vitais YinYang da fonte, o Céu-Terra sobre o dorso redondo para permitir o eco do céu que se assentava arredondado e no ventre a Terra retilínea e plana ressoava no ventre da tartaruga. Assim, mantinham-se as cinco fases dos movimentos dos sopros luminosos e obscurecidos, ou escondidos e aparentes, ou ainda, ocultos e aparentes (o yinyang) com as quatro patas que serviam de eixos de comunicação nos quatro orientes: o pleno yang é o sul acima, o pleno yin é o norte abaixo, a mistura do yang no yin é o leste à direita e a entrada do yin no yang é o oeste à esquerda.
Enquanto que, o seu corpo manifestava a sutil influência da fonte do vento-sopro espontâneo. E a longevidade inerente à duração da sua existência corporal, de acordo com a unidade. A imortalidade do corpo de sopros feito de essências com sua influência sutil e eficiente pivoteia na individuação reconhecidamente, através das vivências cíclicas.
Uma descendente remota transmitiu os nove palácios de divisão da Terra em união com os Oito acúmulos do Céu surgidos dos sopros de vida latente da fonte dos ventos influentes. Ensinou aos mestres autênticos, não verdadeiros.Sim, porque a preocupação principal não era buscar a verdade, mas viver o modo espontâneo, regulado pelo céu nas relações mútuas de maneira justa. Na antiguidade chinesa o método (tao) da tartaruga eficiente foi chamado de inteligência espontânea.
            A inversão, após a queda do conhecimento foi conseqüente ao exílio do corpo a influência eficiente oculta no fundo infundado de uma falta de origem. Mas, sim de um ventaneio influentemente espontâneo, penetrante e duradouro. Desde a época da transmigração das tartarugas do outeiro ancestral e invisível ao mundo atualizado, manifestado.
            A tartaruga eficiente no caminho guiada pelas influências sutis consiste na re-obtenção do tao, pela da união com o tao, o movimento espontâneo movido num intuito eficaz impulsionado pela clareza influente e presente de modo invisível no seu interior, dentro da casca quelidônica. Com isso, a conduta mantida sob a regência da visibilidade e da viabilidade, antes latente e oculta em si condiz com a sua espontaneidade e autenticidade lhe torna a obter eficácia.
            Para além das coisas faladas, a tartaruguinha continua a busca da eficácia. Não havia dúvidas, nem incertezas, somente a clareza sutil acenante no seu interno, dentro dos seus cinco receptáculos, por onde se ampliam o seu qì. Estes são os depositários prioritários que ficam dentro do território da casca, de sua vida não cosmogênica, em sintonia ao centro da fonte, enraizados para suportar e assumir então, com seus quatro orientes, a ordem da via espontânea, ordenança anterior da regulação chamada de Céu que significa ordem, ordenança.
Tanto eficaz além da fala que, até as carapaças dos seus ancestrais serviram de instrumento na queima para obtenção de soluções assinaladas pelo céu nas suas fendas escavadas gerando sinais de influências ventosas que dirigiam as atitudes perante a vida. Assim, surge a escrita chinesa e os sinais assinalados pelo regulador céu as rachaduras portadoras de coerência e sintonia que incitaram ventosamente a resposta de uma inteligibilidade tartaruguêsa, entre as primevas tartarugas dançantes em sintonia com a música do céu regulador manifestada em sinais celestes na movimentação de ventos em corpos celestes, do corpo do mundo. De um só e único mundo este formado pelo acúmulo do qì.
 Nesses rituais havia conjugação do invisível com o visível numa mesma condição. Quem fazia os rituais era a tartaruga-rei e a tartaruga-rainha.
            ...Entre uma maré da vida e outra, novas investidas. Os quatro mares do oceano estão contidos nela, silentes e no centro do peito o centro da vida, de comando da vida, consciente disso. É a sua paisagem interior tal qual é o corpo de sopros do mundo, assim também, como o de nossa tartaruga negra como as águas oceânicas dos primórdios nos confins do mundo ainda imanifesto.
Ela na tentativa de deixar possuir-se pela sua própria ordem interna atravessa um dos quatro mares até atingir o mar do leste. De longe... Ela percebe que os habitantes dessa nova ilhota, além de possuir escamas são verdes, põem fogo pela boca e se parecem com serpentes-lagartos, alados e voadores. Na medida em que, se aprochega dos insulares do leste surge um súbito vento vindo do oriente e um clarão muito intenso promovem uma reviravolta no corpo da nossa pequena e aquática personagem que se sente como numa implosão, eclode de suas carapaças, cai num abismo marítimo, perde sua consciência. Não sabe bem o quanto permaneceu assim e ao se despertar vê-se numa planície verdejante infinita. Porém, há algo de diferente, não se sente mais aprisionada naqueles duros cascos e pesadas patas quadrangulares como a imagem terrestre. Agora, se sente mais potente esguia e escamosa metaformoseia-se em uma serpente aquática, Vence as barreiras abissais. Dessa vez nada de modo veloz entre - ondas e emerge na luminosidade do alvorecer. Ganha garras, asas, uma longa cauda e uma grande cabeça de: dragão.
Ela é uma tartaruga ou um dragão, eu me pergunto. Eu me respondo: tanto faz. Ela é o dragão e a tartaruga! Não é incrível! Que falta de dualidade! Uma excelente unitotalidade eficaz do pensamento circular. Eu vivenciei, então me parece que foi mais importante para mim experienciar do que explicar, raciocinar. Não é mesmo? Que acham? Coerente processo circular, cíclica alternância da eficácia influente em mim! Incrível, sem querer, sem pretensão, mas na propensão atingi o tao. Agora, me sinto uma tartaruga, um dragão ou eu mesmo, não importa. Vale a experiência de totalidade relacional.
Subitamente, inicia a falar e a compreender a língua dos dragões da madeira no leste. Tão veloz seu vôo quanto seu pensamento e imaginação. Os seus sopros têm a capacidade de transformar qualquer coisa. A cada baforada uma nova natureza forma-se. Os dragões comunicam-se pela fala do fogo, aceso e apagado, em cada sopro exalado, um percurso de comunicação propensa. O seu corpo formado de sopros da madeira permite que acolha o surgimento do vento influente em seu interior e drague do Céu os sopros celestes e da Terra os sopros terrestres e então eles sopram luzes e das luzes surgem sombras e da união de sombras e luzes, luzes-sombras esvaziam-se por dentro e no vazio mediano interior suas visões transpõem o espaço-tempo e legitima-se a originalidade do não-ter corpo assim, em ter um corpo assim, num constante e mutável movimento: o do surgimento ou a madeira, que vê da árvore, que vem da raiz de tudo, que vem da espontaneidade.
Os dragões possuem moradias nas cavernas das montanhas do leste que nesse mundo são chamados de porta dos dragões, no idoma draconês é long men. Os vales também os têm.
Tão cedo se desperta e vai soprar por todo o vale. Entre as nuvens. Ainda, mais no alto as luminárias, suas confidentes testemunham a vastidão do seu voar. O passatempo preferido. Mas também têm suas tarefas, dentre elas as mais dignas, a de colaborar na transformação das coisas propensas e advindas do espontâneo no invisivelmente visível e no visivelmente invisível.
A melhor das aventuras está na velocidade do vôo. Conta-se que há miríades de dragões, mas nem todos são vistos ou no céu, na terra, no ar ou no mar. Porque atingem tal ligeireza que nenhum aparelho especial pode captá-los. As suas assembléias não acontecem nesse lugar, mas num espaço invisível, um não-lugar. Num tempo que não é mais esse tempo. Os seus poderes vitais concorrem para uma única condição: fazer o que se deve ser feito com sintonia e entrosamento nas manobras aéreas. Por isso, que se diz os dragões não existem!
Na medida em que cada sopro assoprado pelos dragos seja um acúmulo de alento não soprado por ninguém, nenhum ser, mas surgido assim por si mesmo, chega-se ao porvir, com o seus bafos quentes de fogo que meneiam a vida nos vales, nas montanhas e em tudo mais.
O seu alimento é a constância entre o dragar e o bafejar. O voar e permanecer no alto e aterrissar e permanecer no baixo. Entre o acima e o abaixo as mudanças e transformações ocorrem num farfalhar das asas em meio a tudo que vem de cima e chega abaixo.
No centro desse não-espaço habita o dragão amarelo de cinco garras. Ele permite as relações de trocas em todos os quadrantes a partir do centro numa atitude de intermediação entre o alto e o baixo. Ele pode flutuar entre as ondas do mar sem desmanchá-las. Tem grande sabedoria, conhece todos os mundos e foi chamado de dragão imperial. É o dragão-rei. Ele reina pela movimentação dos sopros da terra e não do fogo, nem da madeira. E quando ele termina sua existência terrena, cada parte dele origina um constituinte dos três: de cima, debaixo e do meio. Os olhos formam sol e lua, seus músculos, as montanhas, seu alento o ar, o vento e dá vida as coisas. As veias faziam os trajetos dos condutos sutis e concretos do subterrâneo terrestre, outros de seu habitat, chamam-se veias do dragão, até hoje. O humano será feito da menor vida que se hospeda nos seus pelos entre as escamas.
A vida de dragão é uma vida transformante, a cada passo sobre a terra, o mar, na montanha ou no vale, uma nova transformação silenciosa e invisível, latente que se manifesta na mudança e visível de vida...
E, o nosso dragão-rei voa e por onde voa espalha sopros de vida que nascem, mas que também morrem se queimam e surgem as suas cinzas, delas surge o fogo que não queima, mas que transforma na condição do seu ciclo na sucessão das coisas espontâneas e assim se vai e assim se vem. Esse novo começo ainda não é um começo e quando chegar ao final será o re-começo.
O dragão sobe as montanhas celestes e fica sem as escamas. Surgem as penas. O sopro transforma a boca em bico e as asas majestosas são a imensidão do tamanho do mundo
O céu azul no infinito, nele a ave gigantesca e eficiente de tamanha infinitude de coloração vermelha nascida do fogo. Fogueia, fogueia. No bater das asas monta sobre o vento e voa, voa... Lá, do alto regula o vento abanado pelas suas asas num soprar através e além do fogo, então imanifesta-se à medida que, se manifesta no ritual festivo fogoso e majestoso... Sobe o fogo e formam-se nuvens. Então, sobrevém a descida d’água, a sua acolhida pelo solo. Assim é um vai e vem, vem e vai, na cadência da movimentação das asas da ave eficiente vermelha, da cor do fogo, do sangue e das influências sutis. 
E o ciclo assim tem o seu fim, cujo fim sempiterno é um re-começo eterno.
Turbilhona-se majestosamente ao vento e depois disso... Pousa docilmente sobre o solo, até perder duas pernas. Então, ganha quatro patas com garras o intenso movimento torna a sua vermelhidão numa brancura cândida expressada no andar do branco tigre metálico. Firme no caminhar. Quando malhado, ele parece movimentar-se no repouso e ao repousar-se, movimenta-se repleto de sopros do metal, que se afinizam com o mais yin, o solo terrestre. O seu urro ressona pelos vales para que os habitantes saibam por si mesmos, o que há e o que não há. Assim por assim mesmo, os sopros sintonizam-se com tudo ao que lhe convém. Por isso, que se costuma dizer: a união do dragão verde com o tigre branco. Rei do seu domínio dos montes e vales. Majestoso. Perspicaz. Na medida em que envelhece a brancura metálica se esvanece...
Transforma-se, então mudanças acontecem. Perde a cor, o branco para que numa sintonia incrível, o branco do oeste, do por do sol, da estela branca, do porvir torna-se sem a cor. Fica preto, escondido, não mais aparente, neste momento propício não mais yang, mas torna-se yin. Formam-se cascos no dorso e no ventre. Recolhe-se ainda mais e mais... O Tigre branco, rajado, parado parece que anda. Andando parece parado. Senhor de si quatro patas sobre a terra firme, passos potentes sobre o solo terrestre, no yin. Ele gesticula com movimentos rápidos, alternados com movimentos parados. Urros,como de um tigre! Sim é um tigre, mesmo! Centenas deles, nos vales, sobem os rochedos. Mostram as suas garras com parcimônia de defesa e ataque se for preciso. Não há perigo eminente. Os tigres são fortes, majestosos, impressionantes. Não têm meta, cada passo conduz funcionalidade e eficiência contínua. Neste momento propício, assumo o tigre. Então me pergunto outra vez: sou uma tartaruga, um dragão, uma ave, um tigre, ou eu mesmo? Isso não importa. Tanto faz. Eu sou eu e eles, eles e eu, ao mesmo tempo! A unitotalidade da influência eficiente. A obtenção do tao!
 Agora, tigre, já não mais! Pois é o momento da chegada do inverno, escurece no norte, yin, o mais sombrio em sintonia com a água. Nas fossas abissais aquáticas, entre as ondas oceânicas escurecidas num único e ínfimo lampejo na escuridão surge, emerge a nossa personagem tartaruguêsa. Mais uma vez, ela desponta entre as águas. Porém, num momento diferente. Continua, transforma, dá sequência e se muda, com os seus sopros medianos, entre o céu ordenador e a terra responsiva.
Isso não é uma história verdadeira, nem falsa, nem certa, nem errada! Mas, diz respeito a habilidade da vida espontânea e ordeira da tartaruguinha que na sintonia das coisas pode fazer eco em cada um de nós, ao mesmo tempo. Então, é o fim (quer dizer que ainda não acabou, nem acabará). Há o ressurgimento, o recomeço...
By Prof Dr Orley Dulcetti Junior, PhD


             
           
           

           
           
           
           

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Amabile Amore







Soam sinos suaves
no espaço sideral
ecoam nas mentes dos navegantes
da nave espacial
parecem voadoras aves audazes
cânticos cósmicos
orbitam cantos estelares
não planejam, apenas almejam
abraçar o mundo infinito
com o encanto das enormes asas
voam invisíveis nos vários níveis
de volta às suas casas
afagam os sutis planetas
das casas dos corações visíveis
pétalas multicores
Cuores d’amore
Cintilam, distilam o aroma
das mil flores
fulgores d’amore 
Créditos da Pintura : @RogerDean- official

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Dia-noite,noite-dia


 
























Boa noite o dia penetra e mistura-se à noite. O alvorecer Pode -se Antever O renascer Surgir Iluminar Coração Vida Dentro E fora Fora e dentro A noite veio ÉE porque o dia Está contido nele Transformação Silenciosa Mudanças Sinfônicas Orquestradas
Com maestria Sempre na noite mora o dia

By #ProfDrOrley Dulcetti JuniorPhD #Ibraho #Contatos 11.976687171

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Evocações



 ARTISTS UK FANTASY AND SCI-FI ART BOOKS AND OTHER BOOKS


Paz instancial
Assaz espiritual
Insubstancial
Num som em Fá espacial
Atitude interior
Nem anterior, nem posterior
Presencial
Cantiga além da sonoridade
Transformações em semitons
Atemporais
Além dos sentidos
Emoções musiciais
Sopram nos corações
Cheios de flutuações
Insinuações
Clarinetear nos sopros cósmicos
Cosmicisar as aspirações
Inspirações,
Purificar os rincões
Universais
Nuvear, multiversar teclados celestiais

Créditos da Imagem: @Roger Dean - official


sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Nas asas de um colibri




Cantar a canção dos pássaros
conversar na linguagem alada
Mensageiros do além-do-espaço
Então, faço e me desfaço
num vôo sem asas
adormeço no colo de um
colibri
Co-livre
Colibri
Co-libre
Colibri


sábado, 4 de janeiro de 2020

Entre Nuvens






Columba branca é multicor
Voa voa voa
Num bater de asas asperge, tinge de amor
Vida orbe vida absorve
Branca Paz coagula e solve
Asas se fecham asas se abrem
Pairam no ar sabores de algodões em cores
Flocos de amor, amores incolores nos corações
Brotam flores multicores
Feixes, faíscas lampejos
omni aeôes de amores.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Metáforas, Mitos do Imperador Amarelo e a Perda Mítica na Tradução dos seus Cânticos






Orley Dulcetti Junior
Doutorando da PUC-CRE/SP
Artigo científico publicado na Revista do Congresso em Ciências das Religiões da PUC-Goiânia 2009


            Resumo: O presente trabalho aborda o estudo das metáforas e alusões míticas correntes nos textos de taoísmo contidas no livro de medicina tradicional chinesa denominado: Clássico Interno do Imperador Amarelo (Huang di nei jing 黃帝內經 ). A partir de extratos dos textos dessa obra matriz em chinês clássico com a tradução para o idioma português feita pelo próprio autor realizar-se-á, também, uma amostragem de análise comparativa com extratos de traduções para o idioma ocidental. Além disso, segue uma avaliação desse fenômeno de transplantação cultural.

Palavras chave: Taoísmo, Nei Jing, metáforas míticas, tradução, transplantação cultural.


Taoísmo
           
            A tradição chinesa é o taoísmo que possui o seu epônimo: o Imperador Amarelo (黃帝 Huang di). Ele é o Imperador mítico fundante da civilização chinesa e da sua medicina. O título desse regente é uma metáfora, huang o termo amarelo, primeiramente tem o sentido literal: a cor do rio e da terra onde surge a nação da China, a cor do metal ouro Jing . Na ocorrência do desvio do sentido torna-se metafórico e pela analogia o termo chinês traduzido pela palavra amarelo passa a significar realeza, nobreza e perfeição.
O vocábulo Imperador Amarelo assume uma forma de expressão de figura de linguagem considerada uma metonímia, sinédoque e um epônimo. Pois, também se refere ao título do livro de medicina chinesa: Clássico Interno do Imperador Amarelo (Huang di Nei Jing).
Como a medicina chinesa é a extensão do taoísmo, principalmente, e secundariamente do confucionismo e até budismo chinês em textos posteriores ao Nei Jing,  segue uma introdução ao estudo do Taoísmo.
Assim, as metáforas taoístas no texto do Clássico do Imperador Amarelo serão discutidas numa perspectiva contextual e histórico-cultural do taoísmo na China do século VIII d.C., época da publicação desse texto comentada por Wang Bing.
O Taoísmo origina-se na China juntamente ao surgimento dos primórdios desta civilização e forma-se através de um processo de amadurecimento no transcorrer da sua própria história. (LARRE, 1982).
            A atitude prática perante a vida fundamenta o Taoísmo, o qual pode apresentar diferentes expressões como o modo de pensar e de sistematizar o mundo, maneira religiosa, de moral e ética. (CHENG, 2008).
            O pensamento do taoísta, o praticante do tao provém de uma diversidade de práticas mágico-ritualísticas nos primórdios da Antiga China. Também, da religião popular, de métodos corporais, exorcistas, médicos, especulações cosmológicas, além das adivinhações realizadas por meio de observação dos fenômenos da natureza, dos astros; das atividades chinesas feitas no isolamento mundano, ou dos artesãos como conhecedores de sua produção artística. E dos pensadores do período clássico chinês que sistematizam a cosmologia e a vida no tao, ou caminho. (Ibid, 1982).
            No idioma português o vocábulo Taoísmo compõe-se do neologismo de empréstimo da fonética chinesa do sinograma tao e do sufixo - ismo (grego –ismós, terminação –μός)
Etimologicamente, o termo Tao, segundo Wieger (1974) é a “grafia de uma cabeça com cabelos despenteados”, a do taoísta primevo associado à três passos e “evoca uma marcha dançante”. Os seus passos reproduzem os “passos do Tao ao imitar o nascimento do cosmos”. O tao é a via, “ir com a cabeça (shou)”.
O Tao traduz-se por caminho, “não só para andar com os pés, mas também para mover o pensamento”. (WILDER & INGRAM, 1974).

O Tao pode ser traduzido num sentido próprio e figurado por associação de idéias ao sentido literal como a Via, Caminho (Tao lu道路). Via do Céu (天道). Além disso, significa: Via a seguir, encaminhamento, conduzir, caminhar, avançar; ensinar, instruir (Tao); falar, enunciar, doutrina; princípio (Tao li道理), regra, método; moral (道德), uma arte de se comunicar, um poder, procedimento. (RICCI DICTIONAIRE, 1976).
            O Tao pode ter o sentido de espontâneo, em chinês Ziran自然, por si mesmo. Ele faz ocorrer as Transformações (Huá), por isso, o Tao é o movimento espontâneo. Assim, o caminhar pela Via é um processo continuo de desenvolvimento e aprimoramento interno. A Via está sempre além dos encaminhamentos pessoais. Presente em tudo e funde-se a todos.


Mestres do Tao e os Clássicos

            Os textos de fundamentação das teorias, condutas e práticas do taoísmo são os Clássicos Taoístas. A “eles que se recorre regularmente para dar fundamento a teorias e condutas, bem como a outros textos, escritos por um mestre ou assim revelados” (ROCHAT, 2001).
            Há quatro principais mestres e obras do Tao:o Laozi,o Zhuang zi,o Lie zi e o Huainanzi com suas respectivas obras: O Clássico da Via e da Virtude (LaoziTaoTeJing), publicado durante a segunda metade do século  III a.C.  atribuído ao mítico “velho mestre”, o Laozi. Os Capítulos Internos de Zhuang zi (Zhuang zi Nei Pian莊子內篇) publicado entre os séculos IV e I a. C.. O Lie zi foi escrito no século IV d. C., oitocentos anos depois de sua época. O pensamento taoísta de Zhuang zi e Lie zi são similares aos de Laozi (LARRE, 1982).
O primeiro e mais importante tratado sinomédico da Antiguidade, o texto que pode ser traduzido por Clássico Interno do Imperador Amarelo , cuja pronúncia em chinês mandarim é Huang di Nei Jing (黃帝內經) começou a ser redigido no período de guerras, nos Reinos Combatentes (453-222 a . C.) seguindo pela dinastia dos Han Anteriores (206-8 a .C.) até chegar aos Han Posteriores (25-222 d.C.). Após, foi completado durante os Tang (618-908 d.C.) por Wang Bing (século VIII d.C.) que acrescenta alguns capítulos posteriormente. (UNSCHULDT, 2003).
O Clássico Interno do Imperador Amarelo, ou simplesmente Clássico Interno, em chinês, Nei Jing foi compilado por Wang Bing e data-se de 762 d. C. E constitui-se de 9 Juan (rolos) a primeira parte, o QuestõesSimples, o 素問 Su Wen e 9 Juan a segunda parte, o Eixo espiritual, o靈樞 Ling Shu. Cada parte contém oitenta e um capítulos (Pian). O pensamento taoísta de Lao ZI e de Zhuang Zi tem profunda influência sobre a obra de Wang Bing estruturado pelas teorias cosmológicas como, Tao, Yin Yang, Cinco Fases. .(TRIADOU, 1995).
Esse texto de MTC possui na sua estrutura uma forma poética metrificada, ritmada e com rimas para ser entoado à plena voz. Contém o estilo clássico neotaoísta repleto de figuras de linguagens, metáforas do taoísmo e alusões míticas próprios da retórica do taoísmo da época.



A Metáfora, em chinês bi ().
            Há uma antiguidade e amplitude de conteúdo no ideograma bi que expressa o sentido de comparação e por extensão: a metáfora. Além disso, o termo xing que significa incitação participa funcionalmente como figura de linguagem na poesia da China Antiga e por extensão: metonímia (CHENG, 1979).
Ainda, bi perfaz com o termo xing através da dupla bi/xing, o correspondente aproximativo  ao idioma indo-europeu de metáfora/metonímia. Consistem numa das seis duplas de principais figuras de sentido ocorridas na poética clássica estudadas na lingüística chinesa desde a dinastia do Han. (CHENG, 1977).
“O Bi é propor uma comparação à coisa dita. O Xing é expressar uma idéia, ou um sentimento a partir de uma coisa evocada”- afirmou Zhen Zhong ao analisar o “ Clássico das Odes”(Shi Jing 詩經) durante a dinastia Han.(CHENG,1979).
 O caractere chinês possui dupla função: imagem como elemento de comparação e analogia. E o sentido o qual expressa a idéia ou sentimento através do figurado. O primeiro explicito e o segundo mais implícito estão presentes e abertos no campo simbólico que gera outras significações o que permite interpretações novas de ordem filosófica ou social. Agem no imaginário  e amplificam o sentido (Ibid, 1979).
Lexicalmente, o Dictionnaire Français de la Langue chinoise ( Ricci Institut, 1990) na página 741, traz o termo duplo bi yu 比喻 (3938) como tradução para o francês “méthaphore, comparaison”.
A China dos Han já possuía linguística própria e seus textos receberam glosas entre os Tang e os Song. (CHENG, 1979).
            Os termos chineses antigos escritos na literária taoísta são os sinogramas os quais consistem em símbolos gráficos (parte de um referente concreto e representa uma noção abstrata). Além disso, eles se caracterizam pelo valor polissêmico (do grego polis, polis, muito e sema, sema, significados), de valor lexical, referencial ou denotativo (usual, literal), conotativos (figurado) e principalmente metafóricos e simbólicos. Recomenda-se o estudo contextual para se obter o sentido exato do ideograma devido a sua pluralidade semântica (KEH-LI,1991).
            Um caractere chinês possui um sentido próprio na correspondência ou representação gráfica de um objeto concreto (proveniente da pronúncia da língua falada) e vários outros significados em analogia ao sentido inicial. (Ibid,1991)
O sentido figurado pode se referir a três regras: por extensão do sentido próprio, restrição do sentido próprio, transferência de significação. (Ibidem, 1991).
Os Mitos
            O termo mito em chinês pronuncia-se Shen Hua ( 神話 ) e traduz-se por fala dos espíritos, shen : espiritual...e hua fala.(BIRRELL, 1994). Enquanto para as línguas indo-européias mito no grego, μύθος , discurso, narrativa, mudo, oculto
            O conteúdo dos mitos chineses
            Há uma singularidade nos textos taoístas de cosmogonia . Eles não fazem alusão a seres superiores organizadores do mundo. Mas existe uma espontaneidade ao natural reguladora e manifestante na formação, mudanças e transformações graduais a partir do Tao, os sopros vitais Yin/yang, a estabilidade estrutural dos constituintes pré-cosmológicos. Para em seguida suas coagulações e dispersões darem nascimento ao Céu , a Terra, ciclos e a antropogonia com o nascimento dos dez mil seres. Também a singularidade esses mesmos textos com ausência de uma causa que produza efeitos distintamente do contexto de causalidade grego-latina.(KALINOWISK, 1996).

A formação do Céu/Terra e dos seres a partir do Tao em Lao zi, 25:
O Tao faz nascer o Um,
o UM faz nascer o Dois,
o Dois faz nascer o três
e o Três faz nascer os Dez Mil seres.

O Clássico da Via e da Virtude (Tao Te King) fornece a cosmogênese chinesa no taoísmo dos Reinos Combatentes, através dos números, numa seqüência bem estabelecida. O Tao  é a Via (espiritual) que faz nascer primeiro no Vazio original a esfera única, ou o Ovo da mistura primordial (hundun ) na presença dos sopros primordiais.


  1. fig 1 capa do Laozi Daode jing


Em segundo, esses sopros formam as duas potências: a luz primordial, o Yang ou sopros Yang e a obscuridade, o Yin ou sopros Yin. Em terceiro, a movimentação dos sopros Yin/Yang no vazio mediano no intervalo Céu/Terra. São os sopros primordiais atualizados na formação do mundo e do vivente. (LARRE e ROCHAT, 2005).

fig 2 manuscrito 

Os Cânticos de Huang di : o Clássico Interno do Imperador Amarelo

Excertos de tradução do Clássico Interno do Imperador Amarelo e alguns exemplos de metáforas taoístas extraídas do mesmo:
Questões Simples do Clássico Interno do Imperador Amarelo 帝內 素問
Tratado sobre os autênticos da alta antiguidade, capítulo 1:
                        第一 (Shàng   gǔ tiān zhēn   lùn piān dì)



 fi 2 capa so Nei Jing compilação 

Antes dos tempos existia o Imperador Amarelo :  
                                                                     xí zài huángdì 
Ele nasceu  da Eficácia Espiritual;         
                                                    shēng   ér shén líng 
Na primeira infância, já conseguia falar;     
                                                              ruò ér  néng yán 

Criança conduzia-se com justeza ;                          
                                                       yòu         ér        xún   qí
Adulto, acharam-no leal e perspicaz ;                     
                                                        Cháng    ér   dūn   mǐn 
completo ascendeu ao Céu.                         
                                               Chéng    ér       dēng   tiān  
           








Antes dos tempos refere-se à indeterminação do espaço-tempo como em “Antes dos tempos houve o Imperador Amarelo”, patrono da civilização chinesa descendente dos autênticos do Céu da alta antiguidade. Como ocorre com os ideogramas textuais Gu ou Gu denotam anterioridade de tempo juntamente aos seres celestes e perfeitos, assim, shang gu alta antiguidade todos esses ideogramas fornecem a noção de atemporalidade. (LARRE, 2005). 
No texto fundamental do taoísmo, o Clássico do Caminho (Tao) e da Virtude (te) de Laozi, Tao Te Jing, capítulo 39, faz a alusão ao começo absoluto, ao início da cosmogonia num tempo primordial. O texto contém na sua primeira linha:
Antes dos tempos (Xi) possuíam a Unidade                                          
xí         zhī      de       yī         zhě
O termo chinês Xi, na tradução feita pelo autor como “Antes (dos tempos)” no Nei Jing,1 faz referência a primordialidade do ser, no Hundun , a mistura indiferenciada dos sopros vitais, a unidade nascida do Tao.
Ainda, no Lao Zi, 39, na tradução do próprio autor pode-se ler a menção a “Os espíritos possuem a  unidade na eficácia” (Shen de yi yu Ling ), metáfora do Espírito, correspondente ao mesmo termo no Nei Jing,1. E os reporta ao Uno Primordial. Sugere a legitimidade da autoridade espiritual ou mandato celeste (天命Tian Ming) do Imperador Amarelo.
O Céu possui o Uno pela pureza.
A Terra possui o Uno pela tranqüilidade.
Os Espíritos possuem o Uno pela sua Eficácia. (Laozi,39 tradução do autor).

         Outro trecho do capítulo 1 do Clássico Interno:
Qi Bo respondeu:
Os Homens da alta antigüidade
Foram os sábios que obedeciam ao Caminho (Tao)
E se regulavam pela luminosidade e obscuridade ( Yin  Yang)
E se harmonizavam através de práticas ( taoístas ) e pela                           numerologia tradicional
(Clássico Interno do Imperador Amarelo, Questões Simples, 1. Nei Jing Su Wen, 1).



            O capítulo três do “Questões Simples do Clássico Interno” (Nei Jing Su Wen) intitulado: “Tratado do nascimento dos sopros vitais em comunicação com o Céu” começa assim:

Huang di diz:
Desde a antiguidade a comunicação com o Céu
Raiz da vida
Enraíza-se na obscuridade e luminosidade (Yin Yang).
No intervalo Céu Terra, dentro das seis uniões os sopros vitais
Nove Territórios, Nove cavidades, cinco entesourizadores, doze articulações.
Todos em comunicação com os sopros celestes
Deles nasce o Cinco. Deles, os três sopros .
Ao se ir contra os números
Os sopros perversos afetam o homem
Eis o enraizamento do mandato da longevidade. (tradução do autor).

O número três mostra a influência cosmogônica proveniente do Tao (O Tao faz nascer o um,o um faz nascer o dois, o dois faz nascer o três, e o três faz nascer os  dez mil seres . Laozi, 42,).(tradução do autor) 
“Desde a antiguidade” refere-se ao início, primórdio das coisas, antes do tempo. (LARRE & ROCHAT, 2005).
            O tempo mitológico que descortina a cosmogênese taoísta. A partir do Céu ou a Via do Céu nome completo do Tao. O termo chinês Tao designa também o Céu, a  Unidade, o Uno (PALMER, 1991).
            “Antes, o Céu e Terra não existiam, nada parecia ter forma”. (Huainanzi,7,tradução de KALINOWISKI, 1996).
            O Céu é o Um Primordial, Também é o Tao que segundo Kalinowiski (1996) consiste  na fase pré-cosmológica  O dois são os sopros Yin Yang, o três forma o Homem depois do Yang  gerar o Céu e o Yin , a Terra. Originados Céu/Terra a partir dos sopros iniciais e depois do Yin/Yang é a fase cosmológica (Ibid).
             E o quatro são os quatro sopros que se repartem e formam as quatro estações. Os cinco são os cinco agentes resultantes dos cinco movimentos do Yin Yang  são: a madeira, fogo, terra, metal e água que geram a forma dos seres. (LARRE & ROCHAT, 2005).
            A partir do Yin Yang surgem os ciclos vitais dos sopros das estações, do espaço e tempo, ciclo dos cinco elementos ou agentes , a condensação dos sopros como substância, sempre sob a ordenância do Tao. (KALINOWISKI, 1996).
            “O acúmulo do Yang faz o Céu, O acúmulo do Yin faz a Terra”. (Nei Jing SuWen, 5, tradução do autor).            
            No vazio mediano entre Céu e Terra movem-se e transformam-se os viventes através dos sopros YinYang. Esses viventes correspondem ao terceiro componente do Céu/Terra/Homem na seqüência cosmogenética. O homem é o que possui os nove buracos no corpo, cinco órgãos, doze articulações ósseas e doze condutos dos sopros no corpo ao quais permitem a livre comunicação ininterrupta com o Céu, o Tao, nos sopros primordiais (LARRE & ROCHAT, 2005).
Os números fornecem como emblemas simbólicos os princípios taoístas numa hierarquia cósmica, através do sequenciamento da formação do corpo do mundo, Céu/Terra e depois do corpo do pequeno mundo: o homem.São metáforas de corpo. São os sopros do Céu, da Terra e da conjugação de ambos: os sopros do Homem (DESPEUX, 1988).









A perda do mito na tradução dos Cânticos do Imperador Amarelo

A tradução inglesa de Ilza Veith:

A tradutora (Veith, 1972) baseia-se na matriz da edição mais antiga do Nei Jing, de Wang Bing dos Tang. Mas, não obedece a estrutura poética original do texto e realiza uma tradução sob a forma de prosa. Descontextualiza a forma.
A característica da narrativa mítica e cosmológica no Nei Jing é o Cântico: poema ritmado, rimado com estrofes e versos.(LARRE, 1987). Nessa tradução perde-se o mito.
O título do seu livro:The Yellow Emperor’s Classic of Internal Medicine pode ser traduzido ao português como O Clássico de Medicina Interna do Imperador Amarelo ( Huangdi nei jing). O termo Nei () foi traduzido por “medicina interna” e possui uma conotação num contexto atual, biomédico, também pode se tratar de  uma especialidade da medicina Ocidental. De acordo com as observações e classificações  de Hsu (2003) feitas sobre o ensinamento nos textos de MTC, a  tradução possui a maneira interpretativa “modernizada” (xiandahua) do conhecimento da medicina chinesa, bem como de ‘feitura científica” (kexuehua) uma reinterpretação materialista das noções taoístas e cosmológicas.
Como fez o autor, Rochat e Larre (1993) expressam ( Huangdi nei jing)  como o  “Clássico Interno do Imperador Amarelo” . O termo Nei () o íntimo, no centro ou no “coração do mistério da vida, um ensinamento autenticamente vital: ‘O interno é a Via da via’”. Mantém a concordância cosmológica do taoísmo: “os cinco internos (wu nei 五內) representando os cinco órgãos profundos do corpo humano”, em a analogia com as cinco fases da cosmologia chinesa.
Ilza Veith (1972)  traduziu o Nei Jing, 1,(Shang gu tian zhen lun) com o título: “A verdade natural nos tempos antigos”.”Treatise on the natural truth in ancient times”
Na primeira estrofe “Nos tempos antigos o Imperador Amarelo nasceu...”
In ancient times the Yellow Emperor was born
Embora se tenha traduzido o advérbio Xi () por “... tempos antigos” a autora o situa no tempo natural e linear. Não leva em conta o tempo  mítico, cíclico e alinear como o da cosmologia chinesa. Assim como, na análise de Feng ( 2003) pôde assinalar na tese de doutorado na École Pratique des Hautes Études, em ciências religiosas :
Essa divergência entre a China e o resto do mundo pode ser explicada pela diferença das noções de tempo e de espaço na cosmologia chinesa e naquelas de outras civilizações. A noção cíclica cosmológica afirma que os movimentos no tempo e no espaço são todos cíclicos e têm marcado profundamente o pensamento chinês, na qual a noção de tempo cíclico prevalece sobre a noção linear e o raciocínio correlativo torna-se mais importante que aquele da causalidade. (FENG, 2003).

Além disso, devido ao fato de Veith (1972, p. 4) declarar na introdução de sua tradução que para ela é muito difícil decidir se o Imperador Amarelo foi uma “personalidade atual ou mítica” confirma a perda mítica na sua interpretação.
- Was a mythical or an actual personality is very difficult to decide.

Na tradução francesa de Ung Kang Sam e Chamfrault(1973):

No tomo II do Traité de Médecine Chinoise Ung Kang Sam e Chamfrault (1973) traduzem o Nei Jing de Wang Bing dos Tang, em prosa, de modo a descaracterizar a estrutura original poética e versiva.
No seu capítulo primeiro, Su Wen,1 (Shang gu tian zhen lun) lê-se traduzido : “ a verdade segundo os preceitos divinos da idade antiga”.
La vérité suivant lês préceptes divins à l’âge  antique.
Não ocorre no texto chinês referência alguma aos “ preceitos divinos” . Mas está escrito: “autênticos do céu da alta antiguidade”.
 Embora a tradução sugira a inclusão da cosmologia chinesa os autores omitem os seis primeiros versos que apresentam a figura central e mítica do Imperador Amarelo o qual foi analisado anteriormente .

Na retradução portuguesa brasileira de Cruz (2001):
A tradução feita a partir de recompilação chinesa simplificada da edição de   Wang Bing dos Tang segue em modo de prosa, não poética.
O título (Huang di nei jing) foi traduzido por Cruz: “Princípios de Medicina Interna do Imperador Amarelo” numa reinterpretação materialista das noções  do taoísmo. O termo Nei, traduzido por “medicina interna”,conforme analisado anteriormente recebe uma tradução modernizada e de feitura científica. (Hsu, 2003).
O Nei Jing, 1 ou Su wen 1, foi traduzido “Questões Fáceis” numa reinterpretação do termo Simples (Su) no sentido de simplificação e ressignifica o vulgar como o simples na desvalorização da metáfora mítica do termo Su.
Segundo o  Dictionaire Ricci (1990) Su ( ):No taoísmo: estado do ser anterior a toda determinação, da natureza antes de toda a civilização. Desde a origem.” (RICCI, 1990, p. 863).
Na primeira estrofe do Su Wen,1 traduz Cruz(2001):
O Imperador Amarelo, de grande antiguidade, quando nasceu já era brilhante e sábio, bom de se conversar quando era criança, tinha uma maneira modesta de proceder e uma lisura de caráter quando cresceu; em sua juventude honesto e possuía uma grande habilidade em distinguir o certo do errado. Quando chegou a idade correta tornou-se Imperador.(CRUZ, 2001, p.25).


A noção de indeterminação do tempo designada pelo advérbio Xi no texto original foi ressignificado pelo conceito de tempo linear: “de grande antiguidade” conduz a uma interpretação: “muito antigo”.Assim, mantém o tempo e espaço lineares, destitui-se do tempo cíclico cosmológico (FENG, 2003).
O advérbio Xi “outrora”, “Antes” designa um tempo mítico, primordial e atemporal. (ROCHAT e LARRE, 1993).
No último verso segue: “Quando chegou a idade correta tornou-se Imperador” não consta no texto chinês nesse verso que ele tornou-se  Imperador.Mas , sim : “ascendeu ao Céu”.

A tradução inglesa de Zhou (1999):
Zhou (1999) traduz a partir da versão ideogramática simplificada da edição de  Wang Bing. A apresentação do texto traduzido segue o formato de “mangá”, espécie de “gibi”, “estórias em quadrinhos”
A nova escrita chinesa, o ideograma simplificado segue a ideologia de Mao, marxista e nacionalista (HSU, 2003).
O texto traduzido omite a primeira estrofe com os seis versos metrificados que faz a introdução mítica do Imperador Amarelo.
Faz uma menção no estilo mangá e desmitificado : “Na infância o Imperador Amarelo era muito esperto e aprendia as coisas rapidamente”.
Segundo Hsu (2003) um modelo estandartizado da transmissão da MTC nos textos.



 Avaliação do fenômeno de transplantação religiosa:

            Segundo  Michael Pye(1969), no artigo The Transplantation of Religions, in: Numen: 16, explicita o modelo de transplantação:
Na primeira fase do contato ao se considerar sistemas religiosos há modificações ideológicas numa  determinada religião. A segunda etapa pode ser representada por religiosos numa situação ambígua. Isto ocorre devido à coexistência entre os elementos da tradição que foi transplantada e de conteúdos da outra tradição. No terceiro estado do processo de transplantação ocorre a fase de recuperação. Embora haja revalorização dos conteúdos tradicionais a religião assume forma diferente a anterior.
No que concerne ao presente texto traduzido estudado e comparado nota-se a ocorrência do fenômeno de transplantação: há a modificação ideológica do taoísmo para o pensamento ocidental da época ao qual foi traduzido recebendo uma modernização conceptual e, portanto anacrônica.
           



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA



CHENG, François. L’Ecriture petique chinoise. Paris: Seuil, 1977.
______.  Vide et plein. Paris: Essais, 1991.
______. Bi e Xing. Cahier de Linguistique-Asie orientale, v1 n. 6, 63-74,1979.

DESPEUX, Catherine. Les corps methaforique dans la tradition chinoise. Acupuncture & Moxibustion. Vol. 2. n. 3., 2003.

FENG, Congde, Les Cinq Cycles et les Six Souffles - La cosmologie de la médecine chinoise selon les Sept Grands Traités du Suwen thése doctorat, EPHE, Sciences Religiouses, DOC 351, Dir. : M. Kalinowski, 2 vol. Date : 03/07/2003

KALINOWISKI, Marc. Mythe, cosmogénèse et théogonie dans la Chine ancienne. Paris : L'Homme, Volume 36, Numéro 137, p. 41 – 60, 1996.

KEH-LI,Fan. (1991). Le mot vide dans la langue chinoise classique. Paris : Librairie You Feng.
______. Les modèles de phrases dans la langue chinoise classique. Paris :Librairie You feng, 2006.

RICCI INSTITUT. Dicionaire français de la langue chinoise. Taipei : Kuangchi Press, 1990.

TRIADOU, Patrick. Histoire du Su Wen. Revue Française d’Acupuncture, 83. Paris: AFA, 1995.

UNSCHULDT, Paul. Huang Di nei jing su wen : nature, knowledge, imagery in an ancient Chinese medical text, with an appendix, The doctrine of the five periods and six qi in the Huang Di nei jing su wen. London, England: University of California Press, Ltd., 2003.

WIEGER. Les Péres du Systéme Taoiste. Paris: Ed. Cathasia 1950.