Conferência Apresentada no VII Encontro de Letras Orientais e Eslavos da FL/UFRJ em outubro de 2012, sob título a
"Recepção
do dào do Taoismo Antigo no Ocidente
Atual"
Introdução
Os primeiros contatos do Ocidente com a China, mais
corretamente o Território do Meio, ocorreram somente no século XVI, com a
chegada dos jesuítas no continente chinês e Imperial. Os pioneiros foram os
padres Matteo Ricci e Ruggieri, que traduziram com o auxílio de um convertido
neo-confucionista, para o idioma europeu (latim) os Quatro Clássicos de Kǒng zǐ孔子 (“Confucius”), numa estratégia de evangelização
cristianizada do figurismo dos sábios chineses.
Foram seguidos no modelo figurista por Trigauld, depois
pelo padre Bouvet. Foi ele quem fez a primeira tradução para o francês do Yì
Jīng (易經) ou Clássico
das Mudanças, escrito em cartas, para Leibnz na Europa
que, também, seguiu o método do figurismo. O livro do Lǎozǐ Dào Dé Jīng ou Lao
zi Tao Te Jing (老子道德經)
foi utilizado com o mesmo intuito.
Assim inicia-se a difusão cultural, religiosa e conversão
cristã da sabedoria chinesa. Dessa maneira, o tao começa a se difundir para a Europa com significados
correspondentes à filosofia aristotélica e ao cristianismo. Dessa maneira o Tao ao ser recepcionado na cultura de
chegada, na Europa do século XVII até o XXI, recebeu e continua recebendo
profundas modificações nos significados de origem, para obter sentidos ocidentalizados,
o que não tem nada em comum com a coerência do Tao da cultura de origem, da China Clássica e Imperial.
No século XX, e ainda hoje no século XXI, a maioria das
pessoas fala, escreve livros, faz difusão multimidiática sobre um novo tao, o dào dos Ocidentais, indiferente e diferente ao tao dos chineses. Mas, ainda, pensam que versam sobre o tao chinês. Ledo engano!
Além do mais, os termos chineses associados ao dào como o yīnyáng, o qì, são
vertidos aos idiomas Ocidentais como se fossem conceitos europeus, modernos, ou
princípios de verdade. Mas, que não têm nada em comum com o yinyang e o qi chinês, que ainda hoje são pouco compreendidos. Assim, faz-se a
conversão idiomática e doutrinária pelo pensamento ocidental aliado ao
universalismo, hegemônico, eurocêntrico, etnocêntrico, que pode acontecer inconsciente
ou conscientemente pelo tradutor-transmissor-difusor, que atualmente, ainda
acontece, como uma atitude pós-colonialista, que ainda se mantém colonialista.
Essas ocorrências são de fundo ideológico, religioso e
tradutório todas de invento descontextualizado. Por esse motivo, o artigo
aborda o assunto do “dào chinês e do dào ocidental” que procura explanar
fundamentado nos estudos culturais e linguísticos sobre o tao de modo contextualizado, a partir dos textos clássicos
chineses. A escolha de início foi feita a partir da extração do sinograma
(caractere chinês) tao (道) do
livro de pensamento da sabedoria chinesa: o Lǎozǐ Dào Dé Jīng (Lao zi Tao Te
Jing老子道德經).
Pode-se afirmar que a sabedoria chinesa foi a que produziu o tao, desde os antepassados do Imperador Amarelo, de modo sui
generis. Por isso, devem-se
considerar ambos, a sabedoria e
o pensamento chinês, no mesmo
fundo de tradição-transmissão e comentário (chuán 傳
zhuàn), num fundo de
ancestralidade.
O pensamento é tipicamente chinês, que não foi assimilado
pelo ocidente, nem pela filosofia grega ou europeia. Pois, manteve-se distante
geograficamente, no histórico-cultural e linguisticamente, ao menos, até os
primeiros contatos com os europeus e missionários cristãos, quando chegaram até
a China, no século XVI.
A coerência do pensamento de
correlação do tao elaborado de maneira não linear e circular
desenvolve-se nos procedimentos rituais. A partir da escrita constrói-se o
“pensamento feito de imagens” e de correspondências, inteligência combinatória
e correlativa.
A noção
de Li (理) está no implícito cultural do significado do tao. São
as correspondências de ressonância de maneira organizada seguindo a ordem interna
(li), espontânea do mundo (tao) e as correspondências do yin yáng, como par de complementares
situados numa “noção inclusiva”. Distintas das ligações e encadeamentos
lineares, como as que ocorrem no idioma indo-europeu. O pensamento correlativo
e de sintonia chinês fundamenta a inteligibilidade chinesa, no âmbito das
famílias-casas chinesas incluindo-se a família, que seria chamada tardiamente
de “taoísmo”.
O li, a ordem do tao ( taoli道理) é a “expressão da inteligibilidade da ordem do
mundo no interior do homem como fruto do processo dinâmico e mutacional (yi易)”.
1. O
texto clássico de Sabedoria Chinesa do Dáo
e do Dé: O Lǎozǐ Dào dé jīng (Lao zi Tao Te Jing老子道德經)
O texto do Lǎozǐ Dào Dé Jīng (Laozi Tao Te Jing) contém 81 capítulos
escritos em versos ritmados e rimados na escrita chinesa antiga ou tradicional
em colunas da direita para a esquerda acompanhado de comentários de Wáng Bi,
que no original foi caligrafado em chinês clássico (wényánwén 文言文 ou gǔwén 古文) e recompilado por Wáng Bí da Dinastia dos Wei (220
-236 d.C.), bem tardiamente a sua suposta
origem. O livro teve um escritor semi-lendário, o Lǎozǐ, que os jesuítas inventaram um apelido de
“Velho Mestre”.
O Lǎozǐ Dào Dé Jīng
(Laozi Tao Te Jing) foi traduzido do original chinês da recompilação de Wang
Bi, por Dulcetti Junior ao idioma português: O Clássico da Via e da Eficiência.
Logo abaixo segue a capa do
livro que contém a obra do Lǎozǐ Dào dé jīng denominada de sì kù
quán shū zǐbù (四庫全書子部) publicada pelo Imperador
chinês no Depósito Completo dos Quatro
Setores das Escritas Chinesas, que começou
a ser publicado na dinastia Qin e se findou na dinastia dos Ming, em 1403.
Embora, o Lǎozǐ Dào Dé Jīng
fora publicado pela primeira vez por Wang Bi na dinastia dos Wei. Então, no Sì
Kù, no setor dos mestres (子部)o livro foi
recompilado.
Fig. 1: Frontispício do sì kù quán shū zǐbù (四庫全書子部)
Segue abaixo uma página do rolo do sábio chinês Laozi na recompilação do mestre Wang Bi.
Figura
2: (老子道德經) Lao zi dào dé jīng no pincel de Wang Bi (王弼)dinastia
Wei . Reeditado na dinastia Qing
contido no sì kù quán shū zǐ bù子部 : Secção dos mestres
A
linguagem na polissemia dos termos antigos chineses, com o estudo do conteúdo
do texto contextualizando-se o significado dos sinogramas arcaicos textuais
considerando a polissemia.
Nessa mesma perspectiva de
entendimento da inteligibilidade chinesa seguem-se as análises da temática
“taoista”.
Para isso, foi selecionado o
sinograma tao (dào) noção relevante do pensamento correlativo ou de
correspondências de sintonia (gǎnyìng感應) dos intelectuais do tao, na época ocorrida entre os Reinos
Combatentes (V séc. a.C.) e a dinastia
Wei.
Essa noção tem constância no
texto do Lǎozǐ Dào dé Jing de Wáng Bi dos Wei (220-265dC).
2.
A Noção de Tao
do Sábio Chinês
Para se entender a noção do tao (道) implica-se, inicialmente, em se analisar a
etimologia do caractere chinês arcaico do tao, nas versões escritas no bronze, caracteres
ancestrais do sinograma dào (道), segundo o
dicionário etimológico chinês, o Shuō wén jiě (说 文解), que foi
escrito por Xu Shen (100-121 d. C.) descreve: a grafia de uma cabeça com
cabelos despenteados (Shou 首). Segundo Larre significa o livre trânsito dos
sopros ou ventos-sopros (qì). O caractere corresponde a cabeleira do mestre das
artes e das técnicas (fang shi), “associado com os três passos” do mestre (chu
辵, este formado pelo radical chi), dar um
primeiro passo com o pé esquerdo (o pé yáng)
e o outro com o direito (o pé direito) evocando uma marcha dançante (xíng
行),
avançar, alternativamente, com os dois pés, andar. Assim como se alternam o yinyáng Os passos desse mestre das
artes, líder da ritualística chinesa antiga expressa a união com os passos do
tao no nascimento do céu-terra e da humanidade. Sendo assim, o tao é
a via, ir com a cabeça (shou 首). Ele é o caminho, para se andar com os pés, também
para se mover o pensamento.
O sinograma tao (道) é polissêmico considerado ao mesmo tempo na
linguística chinesa, noção de unitotalidade, sendo assim, como substantivo o
tao é traduzido aqui como “a via”, caminho (dào lù 道路), via do céu
(天道).
“Via espontânea”.
Além disso, significa: caminho
a seguir, encaminhamento. E, como verbo tem os significados de conduzir,
caminhar, avançar; ensinar, instruir (tào
ou dào 導); falar, enunciar, ordem (dào lǐ 道理), regra,
método, também, a moral e eficácia (tào té
ou dào dé 道德), ou ainda, uma arte de se comunicar, um poder,
procedimento.
O tao significa o funcionamento da realidade, da
espontaneidade e da animação como movimento da vida.
Devido à abrangência de
sentidos do dào no contexto da China
clássica designa, também, um canal, um percurso, a órbita dos astros e a
direção. Foram em tempos remotos, na civilização chinesa observada pelo mestre
das artes. Os significados podem participar de um conjunto semântico coerente
do sinograma tao (道) dào
num contexto próprio.
Os termos para o tao (道), que foram traduzidos do chinês antigo surgem
comumente nos textos clássicos chineses com seus diversos significados
culturais, num conjunto semântico muito abrangente seguindo a noção de
totalidade e na dependência do seu contexto polissêmico cultural chinês
Para os sábio chineses a noção
do tao na perspectiva do caminhar (xíng
行), ir, andar, caminho, método, via, sem objeto, nem
meta. Assim, a via ou caminho vai sendo feito na medida em que se caminha num
procedimento, num encaminhamento, num descobrimento.
O tao contextualizado no Dáo
Dé (Tao Te) possui o sentido de
espontâneo (do latim: sponte sua), não
de liberdade, nem de vontade, nem de criação. Mas, sim de movimento ou de
animação.
São noções traduzidas da expressão do
chinês clássico zìrán (自 然) ou “por si
mesmo”, “assim mesmo”, ou “assim por si mesmo”, em conformidade, que possui a
capacidade de transformação (huá 化). Tudo advém
do espontâneo tao que permite o humano viver no tao num contexto destituído do sentido do “ser” e da ontologia.
Porque, no chinês antigo não há
o verbo ser e se entende a vida relacional e mutável, que nasce como movimento
espontâneo e se transforma pelas qualidades dinâmicas do tao (huá sheng 生 化), comunicação
invisível entre os sopros de tudo e de todos e a viabilidade (dào) da
concretização do qì (氣) ou sopros
espontâneos não soprados por nada, nem por alguém. Encontra-se no nível dos dez
mil viventes, com ausência de transcendência.
O tao na interpretação de Wáng Bi (王弼) (226-249)
comentarista do Lǎozǐ no capítulo 32, com os sinogramas homófonos escreve sobre
uma via que serve de guia. Também, no sentido de instrução e método de
viver, em chinês tradicional é Yǎngshēng
(養生):
modo de vida para se manter, nutrir os sopros (qì 氣), nutrir a
vida, manutenção da vida.
Os pensadores do tao o entendem
como a realidade numa perspectiva de continuidade, que na constituição dessa
realidade, cada uma de suas partes constituintes integra-se perfeitamente entre
si, interpenetrando-se uma na outra, num modo dinâmico, bem ordenado (li)
e relacional, até assumirem formas (xíng 形, homólogo de xíng
行 caminho) e se manifestarem no mundo visível.
O tao considerado antes das formas (wú無), em chinês a
expressão traduzida é “anterior ao Céu” (xiāntiān先天), que entre os intelectuais da sabedoria chinesa
compreendem-se o dào como o inominável (a montante) considerado
nominável (a jusante), na medida em que, se manifesta como a “mãe dos dez mil
viventes” numa contínua manutenção da unidade da realidade relacional.
A constância mutável do tao organiza, elabora e assume constantemente uma relação de geração (sheng
生) de tudo, mantidos numa relação de
interdependência. Assim, o dào “constante” (cháng 常) é temática
central nos textos do Lǎozǐ Dào Dé Jing.
Para melhor compreensão serão
realizadas análises críticas, a partir de duas escolhas metodológicas de
tradução, numa perspectiva de abordagem comparatista, entre as suas versões
europeias, nos idiomas em alemão (Wilhelm, 1921), em português (Wilhelm, 1978).
Para o inglês, por Legge (1885, 2004).
3. O Tao do Ocidente: exemplo de Wilhelm e
Legge tradutores e difusores do Laozi dào dé jing (Lao zi Tao Te Jing)
James Legge
(1815-1897) foi
teólogo protestante e sinólogo orientalista escocês,
missionário na China por 30 anos. Professor de chinês em Oxford.
Foto 1: aula de conversão
protestante de Legge aos seus alunos neo-confucionistas manchus.
O reverendo e sinólogo James Legge destaca-se por
contribuir para a invenção vitoriana de "Taoísmo", rotulou como
"religião clássica”.
"puramente encontrada dentro de
certos textos antigos ou "livros sagrados", ou "bíblia do
taoísmo” como o laozi dào dé jing do
Taoísmo moralmente puro “(identificado com o TÂo Te Ching),”. Fornece um estatuto
sagrado e cristão ao texto do Laozi e ao taoísmo. Na China antiga não havia o
sacro, nem o profano, nem tampouco preocupações teológicas e teleológicas.
Nele muitos sinólogos se apóiam numa visão ocidental
do taoísmo até o século XXI.
O tradutor Legge entende o Tao como Absoluto. Faz referência na sua
versão (Legge, 1885, p.47): “Sugere as palavras do apóstolo João Aquele que não
ama não conhece a Deus; porque Deus é amor”.
Ainda, Legge na p.14: “O dào equivale ao
rodos, o Caminho. O nome ocorre em nossa
revisão do sistema cristão do Novo Testamento. Ato dos Apóstolos.” (Cf. Atos
IX, 2).
Já,
Wilhelm baseia-se na tradução do título TAO TE KING em valores polissêmicos universalistas cristãos. Para o tao (道dáo) citaDeus, Razão, Logos, caminho (Sinn, em alemão; sentido, significado), TE (do alemão Lieben,vida). São todos termos de equivalência tradutiva descontextualizados e de evangelização por parte do Wilhelm. Num comentário sobre a obra do Laozi, Wilhelm apoia-se num trecho de Goethe: “Fausto trabalha na tradução do novo testamento do evangelho de São João como”: “No princípio era o sentido”. “Parece ser essa a tradução que melhor corresponde aos diversos significados do TAO chinês” (Cf. Wilhelm, 1978, p.131).
Foto
2: Richard Wilhelm
“Além disso,
no sentido de caminho verte-se para uma tradução na direção de razão e verdade”.
(Cf. Wilhelm, 2006, p.2). Ainda, o tradutor Wilhelm acrescenta que, o “Tao é a espontaneidade absoluta no
mundo”, com noção de transcendência, teleontológica ( Cf. Wilhelm, 1978, p.28).
Para traduzir o termo TE do Dáo
dé (道德Tao Te) segue JOÃO 1,4: “nele estava a vida e esta era a luz dos homens”. Assim, Wilhelm traduz o Te por vida com significado de ser, vida, natureza, espírito,
energias. No comentário de Wilhelm: “O céu representa as forças
espirituais” da acomodação cristã. “Assim, ocorre com a tradução dos sinogramas
que ele verteu como o vale, o vazio e os espíritos, os deuses (Shén)” com as “imagens
míticas mais antigas” que se associa ao
“surgimento da vida pela influência do Espírito”, que considerou também o tao (Cf. Wilhelm, 2006, p.31).
Ele insiste na
busca de princípios de eternidade, de verdade, desconhecidos e indiferentes
pelos sábios chineses da antiguidade como: “O espírito é então o elemento ativo
e criador (Tao)”. O “Espírito e matéria
são eternos em sua unidade”. Ainda afirmou que “O espaço entre o céu e a terra,
geração da vida correspondem ao firmamento bíblico (Gênese I)” (Cf. Wilhelm,
1978, p. 180).
Tao te King das buch alter von sinn und leben
(Wilhelm, 1978).
Tao
te King O Livro do sentido e da vida (Wilhelm, 2006) na tradução de Margint
Martincic para o português.
Tao
te King Lao Tsé (Wilhelm, 2009) em espanhol
Tao te Ching.USA: Wilhlem editions, (Wilhelm ,2002)
Seguem abaixo amostras de publicações de James Legge.
Laozi Tâo Te Ching. USA: (Legge, 1885)
republicação,2004
USA: Portland Floating, Press (Legge, 2009)
Lao zi. Kansas: Univ. Kansas (Legge,2009).
Laozi tao te ching. California : Bn publishing .
(Legge,2009). Oxford: Oxford univ press Dover
(Legge,1997).
Oxford: Oxford univ press Dover (Legge,1997).
Maryland:
Manor (Legge,2008).
A seguir ilustram-se a temática do tao no Laozi, com o recurso metodológico de cotejos, para fins de
análise comparativa. A partir da tradução de Orley Dulcetti Junior do texto
original em chinês clássico para o idioma português brasileiro.
4.
Reflexões Conceituais
A partir de apropriação em teorias culturais e
linguísticas em Jullien, Hsia, Girardot, Jensen e Genette, Dulcetti Junior
baseia-se para realizar as suas considerações analíticas-críticas das traduções
descontextualizadas, que servem também para fundamentar a discussão das
traduções de Wilhelm e Legge.
Com a apropriação nas teorias de Jullien
pode-se afirmar que, a universalidade do conhecimento torna difícil a tarefa de
se pensar fora dela na presença da cultura ocidental hegemônica nos últimos
séculos com o “uniforme”, um conceito da produção na padronização do modo de
vida, produção, consumo e midiático que discretamente, sem ser notada recobre a
diversidade cultural. Sendo que há outras culturas e outras formas de pensar.
Assim como na China Antiga (zhōngguó中國) o pensamento chinês e os caracteres
chineses antigos são indiferentes ao pensamento greco-romano-cristão e ao
idioma indo-europeu. A tradução
universalista empresta a medida comum do universal que se vale das invariantes
e equivalentes entre duas línguas e culturas que se ignoram veiculando o
pensamento do tradutor no “espelho do outro” num aprisionamento de escolhas o
que leva a ilegibilidade tradutória com o uso do invariante e do equivalente. O
invariante tem seu pressuposto na universalidade de princípio e verticalizado e
as variantes culturais sendo secundárias. Na tradução universalista
dissimula-se no equivalente funcional que projeta a universalidade transversa
ao nível do recorte, de efeito ilusório sem contexto em comum faz atuarem “o
mesmo” e o “outro” entre linguagens culturais que não se falam e nem “sequer se
olham”. São traduções forçadas e inadequadas, pois também são feitas as
aproximações fáceis, com rupturas e sem fio de continuidade.
Com a apropriação em Hsia, pode-se afirmar o
seguinte, que o termo euro-sinica do século XIX, trata-se do
neologismo de Hsia para definir o construto edificado pelo europeu da cultura
chinesa proveniente do passado histórico, desde o século XVII, que chega aos
XX, com perspectivas futuristas a partir do encontro entre ambas as culturas,
com desenvolvimentos interculturais num planeta muticulturalizado. O
reconstruto europeu ele denomina de Chinesia.
Mais tarde, os americanos introduzem o neologismo orientalismo sinológico com
Said. Os sinólogos surgirão mais adiante no histórico-cultural China-Europa. Há
duas fases, a primeira começa com o figurismo do jesuíta Ricci e seguidores
missionários na China, século XVI. A difusão figurista na Europa que chega aos
filósofos como Leibniz, Voltaire, entre outros seguindo o evento da acomodação
bem simpatizante. A segunda fase dos protestantes missionários na China que
conduzem a acomodação até filósofos principalmente alemães, como Herder, Hegel,
ingleses e escoceses. No terceiro período destacam-se teólogos protestantes
sinizados como Wilhelm, Legge.
Seguindo-se e desenvolvendo-se a teoria de Jensen (1997),
pode-se confirmar que, o figurismo jesuíta faz a “manufatura”, a partir da difusão
cultural e das idéias cristãs, o “fazer com as mãos”, no manufaturar a
literatura na forja figurista dos jesuítas até se chegar na industrialização e
comércio dos textos acomodados, que foram pelos jesuítas manufaturados na
sociedade européia. Neste âmbito manufaturam o natural em artificial, fabricam,
inventam, reinventam, espalham amplamente, em cada empreendimento. A título de exemplo a invenção do nome mitificado de Confucius,
como se fosse um filósofo da natureza, o nome dele foi criado a partir da
fonética Kǒngfūzǐ com a introdução das ideais figuristas,
critianizados. Da mesma maneira acontece com Lǎozǐ. Inventou-se um apelido
jesuíta de Velho Mestre, como se fosse um fundador mítico do taoísmo
filosófico. Assim fazem e refazem com todo o histórico-cultural, escrita e
livro de origem chinesa forjados, como se fosse uma ficção inventada, fabricada
pelo figurismo jesuíta. Os jesuítas também manufaturam ao considerar os textos
Clássicos Chineses como Cânones (de Canon do grego: κανών), Canônicos semelhantes a Biblia do Velho e do Novo
Testamento.
Com base na teoria da
invenção do taoismo de Girardot (1999) pode-se considerar que, a incorporação do cristianismo nas
edições de Max Müller, linguista e mitólogo, com novas orientações filológicas
e orientalistas, com raízes no passado histórico do fenômeno missionário na
China com abordagens comparatistas universalistas cristãs principalmente no
século XIX, com a invenção de Textos Sagrados do Leste, da China publicou traduções
dos Clássicos Chineses com a colaboração do teólogo missionário escocês Legge
que eles sacralizaram como Textos
Sagrados Chineses. Afirma Girardot (Cf. Girardot, 2001, p 23) que, o
paradigma protestante de Legge conduz seu legado até o século XX, numa
abordagem incluída numa visão vitoriana do mundo universalista. Inventa-se o
taoismo como uma religião, que Laozi é o chefe Deus, ou um dos chefes deuses, O
taoismo inventado foi considerado uma filosofia ou religião, por Legge e por
estudiosos acadêmicos, sinólogos e filósofos que o seguiram e a Bíblia taoista
na China foi atribuída ao LaoziTaoteChing, que Legge traduziu por O Tao e suas características, num
orientalismo sinológico vitoriano. Os Clássicos Chineses recebiam
a denominação de
Sacred Books of China.
Com base na apropriação no modelo de
hibridação e do figurismo discutido por Lackner, pode-se considerar as
seguintes reflexões conceituai “Método de abordagem figurista na China e na
Europa do século XVI, XVII e neofigurista no XX”. O fenômeno promoveu mudanças
profundas na interpretação do pensamento chinês antigo, do taoísmo como em Lao zi,
Zhuang zi, Huainan zi e do léxico dos sinogramas com especulações enganosas e
simbólicas. No amplo sentido o figurismo é um método hermenêutico de exegese
bíblica com as seguintes noções universalistas. A origem comum da
humanidade A revelação esotérica da verdade, tanto quanto um sábio iniciado
como o Hermes Trimegistrus,. A natureza perene e divina desta revelação
esotérica. O híbrido misticismo da China prevalece no ocidente atualmente como
sendo o “renascer de idéias figuristas numa vestimenta religiosa e
não-científica”.. E, tais modificações lingüístico-culturais dos figuristas e
neofiguristas refletem-se nas traduções ocidentais atuais do Laozi.
Com base no Modelo da Intertextualidade de Genette consideram-se as seguintes reflexões
conceituais, que os textos apresentam uma
reexpressão textual que decorre na dificuldade nas traduções comunicadas pelo
texto, na intextualidade o traço intertextual pode permanecer claro, implícito,
ou desaparecer com a transformação do significante original e se
descontextualizar com distanciamento fraco, médio ou imenso. Ele é imenso ou
máximo quando a cultura de acolhida é diferente da origem. Como ocorre com o
Laozi Dào DéJing de origem chinesa antiga distanciado no tempo, espaço e na
cultura de recepção europeia, que não dialogam escapa o conteúdo essencial,
formal, estético devido ao peso cultural ideológico da receptividade européia.
Ainda, com base em Genette, o conhecimento inútil de se explicitar
bifurca e desvia o texto de origem ao texto traduzido que separa um texto
ao outro. A tradução descontextualizada implica na recontextualização do texto num novo ambiente pelos elementos
culturais da recepção do mesmo. O texto remete o leitor ao fraseado da cultura
do texto traduzido do universo de referência.
Conclusão
O texto
materno possui legitimidade e fecundidade cultutal-linguistica e estética. A tradução
da obra matricial feita pelo autor e conferencista para o português procurou
manter a preservação dessa autenticidade cultural-textual. As traduções
europeias após amostragem e comentários dos cotejos mostraram modificações
profundas entre o significado polissêmico dos sinogramas taoistas do texto
original com as versões nos idiomas alfabéticos europeus de Wilhelm e Legge.
Eles escreveram e traduziram o tao do
Ocidente, ou seja, deles próprios, que não tem nada em comum com o tao do sábio chinês. Enquanto que, o
Laozi Dào Dé Jing é fruto da cultura antiga chinesa, é o tao do sábio chinês. As versões ocidentais são produtos da cultura
europeia, o tao do Ocidente, diferente da China Antiga. Então, depara-se com
uma dificuldade, barreira, um “borrão”, entre diferentes culturas, a do tao do sábio chinês, e isto implica se
deparar com distintas dimensões “filosóficas”, linguísticas, estéticas, na arte
de viver como na medicina. São dois tao que não se dialogam, nem se
correspondem, não tem nada haver um com outro: o tao do sábio chinês no extremo
leste e o tao do Ocidente, no extremo Oeste.
As
noções, incluindo-se o tao do sábio chinês, que compôs o texto do Lao zi, também, os Clássicos de Medicina
Chinesa, como exemplo o Nèijīng ou Clássico
Interno encontram-se distanciadas no tempo e espaço e no significado que se
perde, se esvai, não há. De um lado, uma cultura, a da China do sábio do tao chinês, que desconheceu a Europa até
o século XVI; do outro lado, outra cultura, a Europa atual do momento da
publicação das versões Ocidentais, do tao
do Ocidente. Por sua vez, a cultura da Europa que hoje se faz conhecida foi
constituída por um conjunto de outras culturas, principalmente, a greco-latina.
A cultura europeia herdou a filosofia, estética, linguagem e medicina da Grécia
e de Roma, que formulou o latim e produziu a romanização disseminando-se,
territorializando-se no Ocidente. Numa visão de corpo e alma dualista e
biomédica galenicista, cristianizada e universalista da cultura que escreve com
letras e alfabeto greco-latinos, oriundos do idioma indo-europeu, que nada tem
em comum com o sinograma do tao
do sábio chinês.
A
base conceitual elaborada segundo a difusão cultural fundamentada em Rogers
elucida o fenômeno entre as diferenças culturais de inovação de ideias e
crenças religiosas, o cristianismo, moralidade, conduta, seguindo Montgomery na
adoção das mesmas, com as suas dimensões, e consequente espalhamento. Com a
apropriação nesses autores fornecem-se subsídios para se explicar e entender o
fenômeno de modificação cultural e textual na translação do texto de origem do
sábio chinês, da China Antiga, para o texto de acolhida pelas traduções
europeias de Wilhelm, com o tao do
Ocidente. Por uma comunicação, que se dissemina. Porém, de modo não efetivo,
com dominância da cultura europeia sobre a do sábio chinês. Assim o texto
original sofre modificações por outra cultura e no texto de chegada à Europa,
na fase de implementação.
Ainda
mais, a hibridação apresenta o fenômeno de um neofigurismo, segundo Lackner,
que o misticismo híbrido do leste com o oeste revive um novo figurismo
incorporando elementos aristotélicos e religiosos cristãos, na Europa atual.
Assim, os textos analisados de chegada mostram-se figuristas, no século XX-XXI.
A
corrente da intertextualidade de Genette afirma que, o hipotexto se
descontextualiza na formulação do hipertexto feito na cultura de chegada e o Clássico da Via e da Eficiência (Laozi
Tao Te Jing) sofre modificações contextuais, assim a mobilização de empréstimo
produz um hipertexto de acordo com a época da produção da textualidade como ocorre
com a de Legge e de Wilhelm que inventam
e traduzem o tao do Ocidente.
Também,
apontam para mostrar que, tanto as duas culturas não se encontram, nem
dialogam, bem como, entre o texto de partida e de chegada, apresentam
diferenças culturais relevantes suficientes, para que as versões europeias de
Legge e de Wilhelm sejam portadoras de transformações significativas de acordo
com o olhar da Europa contemporânea, que descontextualiza a obra original
portadora de legitimidade da ancestralidade do Imperador Amarelo representante
da antiguidade cultural-textual chinesa do Clássico
da Via e da Eficiência, do sábio chinês, o Laozi.
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