PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE
ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
Disciplina: Psicologia e Religião:
Uma abordagem junguiana: origem e desenvolvimento da consciência religiosa.
Profa. Dra. Denise G. Ramos
O
Mito Mbya Guarani: Tupã Tenondé
Orley Dulcetti Junior
SÃO
PAULO, 2010
O Mito Mbya Guarani: Tupã Tenondé
Tradução do Mbya Guarany para o Idioma Português brasileiro por
Prof DR Orley Dulcetti Junior
Publicado no Blog 20/10/2019
SÃO
PAULO, 2010
O presente
trabalho aborda o estudo do mito de criação dos Mbya Guarani denominado Tupã
Tenondé numa abordagem junguiana sobre a origem e desenvolvimento da consciência.
Primeiramente
será feita a mostragem de alguns conceitos e
abordagem junguinanas sobre os mitos de criação.
Em
seguida apresentar-se-á o mito de criação dos Guarani, Tupã Tenondé com suas
estrofes selecionadas de relevância com a transliteração acompanhada da
tradução tendo por base ao português por Jecupé (2001) e traduzido por Orley Dulcetti Junior (2019)
Algumas
considerações filológicas e fundamentalmente a análise e interpretação dos
trechos escolhidos numa abordagem juinguiana desse mito de criação.
Para
Franz (2003) as civilizações da antiguidade narraram seus mitos de criação que
contam a “própria existência” e a do “cosmos inteiro”. (FRANZ, 2003).
Os
mitos de criação são produtos do inconsciente humano e na construção de suas
narrativas sobre a origem misteriosa da natureza e da existência da vida
projetam a imagem arquetípica com uso de símbolos. (Ibid).
O
conceito junguiano de arquétipo ou imagens primordiais consiste numa tendência
instintiva. Enquanto que instintos são impulsos sensoriais, mas, podem esses,
também manifestar imagens simbólicas, cujas manifestações são arquetípicas.
(JUNG, 1997).
O
inconsciente individual está numa dimensão da vivência pessoal e ainda mais
além, pois é também anterior a isso tudo e se manifesta através de imagens
arquetípicas universais como aquelas presentes no conteúdo mitológico e nas
diversas religiões. (Ibidem).
Apresentação do mito de criação Mbya Guarani: Tupã Tenondé
A
tradução do guarani para o idioma português baseia-se em Jecupé (2001), bem
como s sua transliteração. Seguem abaixo os excertos relevantes pré
selecionados da narrativa Mbya Guarani e com as análises e interpretações na
abordagem junguiana:
Tupã Tenondé (Porã Ei)
|
Ñande Ru Ru-pa Tenondé
Guete
na ombo-jera
Pytu
Yma guá.
Yvára pypyte
Apyka apu’a i
Pytu yma mbte re
Oguero-jera
Literalmente
Tupã Tenondé significa O Som primeiro
da totalidade. (JECUPÉ, 2001). E ombo-jera quer dizer literalmente desdobrar-se
se desdobrando. ( BORGES, 1998).
O
trecho inicial do mito mostra a partir da interpretação dessa inicial
narrativa, segundo Franz (2003) a ocorrência da criação pela ação acidental do nascimento do Mundo e representam
processos inconscientes e pré-conscientes do homem como da futura percepção
consciente a qual ele virá a ter do mundo.
A
narrativa contém simbolos e metaforas: metonímica e de sinédoque acompanhadas
de estruturas de paralelismos segundo Borges (2008) seguindo a análise
discursiva.
Segundo
Edinger (1995) há uma relação do Si mesmo-Ego e a presença da Unidade Ego e o Si-mesmo.
Segundo
Jung (2000) os arquétipos são conteúdos do inconsciente coletivo e esse para
Edinger (1995) também é denominado de psique arquetípica, a qual possui
estrutura una e funcionante como princípio organizador e unificador do conteúdo
arquetípico. Ainda Edinger (1995) comenta que Jung nomeia de Si- Mesmo esse
princípio ou arquétipo central ou da unidade. (EDINGER, 1995).
O estado inconsciente primordial é narrado
nesse trecho do mito de criação mbya.
Franz
(2003) aplica o termo projeção também com referência às civilizações antigas e
aos seus mitos como “projeções de imagens arquetípicas”. Sendo assim, para os
povos da antiguidade são “realidades vivas”. (FRANZ, 2003).
O
fenômeno da projeção similar à da teoria da óptica da física consiste na
liberação de conteúdos do subjetivo para um objeto, portanto trata-se de um
processo de dissimilação. Assim um conteúdo aliena-se do subjetivo e associa-se
ao objeto. (JUNG, 1943).
O
evento projecional deriva do processo psicológico universal e de origem
denominado de “identidade arcaica” para Jung e a “empatia instintiva” entre as pessoas,
com os animais e até com objetos têm como origem a identidade arcaica. (FRANZ,
1997).
O
conceito de identidade segundo uma denotação numa “conformidade psicológica”
para Jung é um pressuposto apriorístico como sendo um processo do inconsciente
a identidade psicológica caracteriza-se como expressão da “mentalidade
primitiva” funcionante vestigial de uma fase indiferenciada do estágio do inconsciente
primordial. Como similitude a priori não
pertence a consciência. Assim não havia
diferença entre o estado interior, a psique inconsciente e o ambiente
nos estágios primordiais do desenvolvimento ficavam num nível de
igualdade: identidade arcaica. (FRANZ, 2003).
Dessa
maneira, os mitos de criação assumem simbolicamente os processos do inconsciente
e narram cosmogonia e a “origem da percepção consciente que o homem tem do
mundo”. (FRANZ, 2003, p. 13).
Segue o mito mbya assim:
Yvára
jeckaka mba’ ekuatá
Yvára
rendupa
Yvára
papyte yuyra’i,
Yvára
popyte rakã poty,
Aguero-jera
mbyte re.
Para
Edinger (1995), o mito pode ser entendido como expressão simbólica numa relação
ego e o Si-mesmo os quias se seguirão numa progressiva evolução.Nesse ambiente
textual e contextual ainda há o aspecto da totalidade ego e si-mesmo são unos.
Segundo
Neumann ( 2003), o estado urobórico e os estados mitológicos da evolução da
consciência começam com o ego contido no inconsciente. E o primeiro ciclo do
mito é o de criação.
O símbolo do círculo, o ouroboros como Princípio ordenador e unificante da
psique total . O bastão representa o eixo ego e o Si mesmo num estado de
identidade total entre ambos.(EDINGER, 1995).
O
Arquétipo da unidade: o Si-mesmo primordial do qual surgirá o Ego individual
(NEUMANN, 2003).
A
“trama- tecedura”: o criador faber, também o tecelão segundo a abordagem de
Franz a divindade que fabrica o mundo. (FRANZ, 2003).
E
continua a narrativa mitopoiética de Tupã Tenondé:
Yvára
apyre katu
Jeguaka
poty
Ychapy
rechã
Yvára
jeguaka poty mbyte
rupi
Guyra
yama, Maino i,
Oveve
oikovy.
Pode-se interpretar segundo a
abordagem de Franz (2003), a ocorrência da Primeira Vítima: “morte espontânea”
de nhamandu. Assim como no exemplo do Caos o Hundun analisado por Franz (2003)
ele foi a primeira vítima como em Panku que também foi a primeira vítima.
Crias-se uma e destrói-se a anterior. Sendo que no mito mbya tupã tenondé
Nhamandu se transforma no colibri o beija flor.
Também
é o Duplo Criador aspecto ativo segundo Franz (2003). Há a presença da metáfora
da noção solar (todo universal, símbolo do Si-mesmo) com a metáfora da Ave, o
colibri de cor azul como o Céu, como também o aspecto ativo da criação
espontânea.
Ñande Ru tenondé gua
O yvára rete oguero-jera i
Javé oikovy
Yvytu yma i re oiko oikovy:
O yvy rupa rã i oikuaá ey
Mboyve ojerupe,
O yva rã, o yvy rã
Oiko ypy i va’ekue
Oikoaá ey mboyeve i
ojeupe
Maino i ombo-jejuruei
Ñamandu yvaraka a Maino i.
Ainda
a imagem arquetípica do Duplo Criador: um no aspecto ativo com a metáfora da
Ave:o Colibri e o outro com o aspecto passivo: a Coruja figura de Sombra, nada
faz apenas observa,também é a sabedoria de nhamandu. A luz do colibri e a
sombra da coruja formam um par enantiodrômico segundo Jung a enantiodromia a
união dos opostos ou Conuntium Opositorium. (JUNG, 2000).
Tupã
Tenondé
Capítulo
II : Ayvu Rapyta ( Os fundamentos do
ser )
Ñamandu Re Ete Tenondé gua
O
yvára petei gui
Yvára
py mba’ekuaá gui
O
kuaa-ra-ra vy ma
Tataendy, tatachina oguero-mañemoña
No
início do capítulo há a ocorrência do paralelismo metafórico dos mbya no contexto do primeiro com o
circunlóquio do imanifestado desdobrando-se (oguero) num engendramento continuado ou encadeamento segundo Franz
(2003) e o surgimento espontâneo de outra dupla num paralelismo textual como o
do colibri e coruja a dupla chamas e neblina ( tataendy- tatachina). Ambas formam segundo a abordagem de Franz
(2003) com base em Jung, um par enantiodrômico.
E segue o mito:
...Yvy oiko ey re,
Pytu
yma mbyte re,
Mba’e
jekuaá ey re,
O
kuaa-ra-ra vy ma
Mborayú
rapyta rã i
oikuaá
ojeupe
Nessa
estrofe mítica guarani pode-se interpretar numa análise fundamentada em Franz
(2003) o estado subjetivo de ânimo do Criador como uma Criação feita pelo Amor.
O kuaa-ra-ra vy ma
Karaí Ru ete rã jakaira Ru ete rã
Tupã ru ete rã
Ombo-yvára jekuatá
Gua’y reta ru ete rã
Gua’y reta ñe’eng Ru ete rã...
A
partir do imanifesto o nhamandu serão
espontaneamente criados os seres trovões.
A
divisão dupla e quádrupla:o quatro domínios e os quatro pais. Segue-se o
desdobrar de nhamandu. Também com a imagem arquetípica do quaternário que indica o estágio pré-consciente segundo Franz
(2003). São cadeias de gerações e encadeamento espontâneo da formação de seres
espirituais com seus domicílios.
A’ e kue i py
Nhe’eng ru ete pavengatu
Nhe’eng Cy ete pavengatu, já’ e
Ñamandu Ru ete
tenondé gua
O yvy rupa rã i oikuaá ma
Vy o jeupe
O yvára py mba’ekuaá guá
O kuaa-ra-ra vy ma
O popygua rapyta i re yvy
Oguero- moñemoña i oiny.
A
divisão dupla: os dois domínios Pai e Mãe cada um com seus quatro domínios e os
quatro pais. A criação na figura da sexualidade e união dos opostos. (FRANZ
2003).
O popygua
rapyta i re yvy
Oguero- moñemoña i oiny.
Pindovy obomjera yvy mbyte rã re
Omboaté ombojera Karaí amba re
Pindovy obomjera Tupã amba re
Yvytu porá rapyta re ombojera Pindory
Ára yma rapyta re ombojera Pindory
Pindory petei ñirui ombojera
Pindory re ojejokua yvy rupa
vara de nhamandu simbolo do eixo de união da
relação harmoniosa e totalitária do Si-mesmo com o ego, corresponde a serpente
e a coluna vertebral , os ossos do tupy. A palmeira simbolo semelhante ao
colibri e a coruja
Em Edinger (1995) citando Neumann a
representação do eixo ego – si-mesmo por analogia com o contexto desse mito de
criação corresponde a vara bastão que se assemelha a noção do eixo ego e o
Si-mesmo.
Yvy rupa mongy’ a ypy i are mboe
Yma i: a’ anga ire ma ñande yvy
Py agy oiko vae : a ete i va’ e
Oime Ñande Ru Yva rokáre
A
serpente ancestral e a mãe terra são figuras simbólicas da Criação de Baixo
para Cima, também o mito tupã tenondé segundo essas estrofes acima se pode numa
análise interpretativa inferir a ocorrência também nesse mito como tipo de mito
de emergência, além de ser um mito de criação espontânea (FRANZ,2003).
Kórami yjaivu:
Nedee ae , Karai Ru ete
Tataendy ñeyechyro re, mba yve
Oupyty ey va’erã ano a vae
Remoñeamgarekota nde rayu
Karai Py’ aguachu . A’ e vy ma
Emoñeenoi Karai tataendy já ‘
era
Oneangareko
va ‘erã tataendy ryapu ra re
Ára
pyau navo emboguy
Uka
y tataendyneychyro, tataendy
Ryapu oendy agua jeguakava
Jeaiu Porangue
i,jashukava jeaiu
porangue i.
Somente tu Karai Pai fogo
verdadeiro
Farás vivificar por meio delas
teus filhos,
os Karai valorosos.
Por isso fazes que eles se
chamem também
os “Senhores das Chamas”.
A cada primavera florescerão
fileiras de chamas
Como desdobramento de ti Karai
ru Ete
E florescerão as bem amadas
chamas
Que levam a marca do masculino
E as bem amadas chamas
Que levam as marcas do feminino
A inflação como início da
consciência do Karai ( o pajé ) como um ser Supremo Karai. O ser humano irá
nascer num estado de inflação qualidades mais amplas além da medida (Hybris, do
grego desmesura antônimo de Dike, do grego perfeição ). (EDINGER, 1995).
Arte Mbya-foto: Kalimba (2009)
Como
ilustração ana arte mbya como pode-se observar logo acima os dois mundos dos
mbya a “serpente que agora vemos em nossa terra não é mais do que a imagem
dessa serpente primeira” e os buracos na interpretação do vazio primeiro acima
e oburaco da terra mãe criativa no baixo numa conotação que permite classificar
como uma fase dessemito de criação espontâneo como mito de emergêgia com base
em Franz (2003).
Bibliografia
BORGES,
L. C. Fala instituinte do discurso mítico do guarani mbya.Programa do estudo em
lingüística IEL.Tese de doutoramento,Campinas, UNICAMP,1998.
DULCETTI JUNIOR, Orley. O Mito Mbya Guarani: Tupã Tenondé Tradução do Mbya Guarany para o Idioma Português brasileiro por Prof DR Orley Dulcetti Junior. Publicado nohttps://www.blogger.com/blogger.g?blogID=5243378290409367123#editor/target=post;postID=4358001056026833027;onPublishedMenu=allposts;onClosedMenu=allposts;postNum=0;src=link DisponívelBlog 20/10/2019
EDINGER,
E. F. Ego e Arquétipo. Uma síntese
fascinante dos conceitos psicológicos fundamentais de Jung. São Paulo: Cultrix,1995.
FRANZ, Marie-Louise von. C. G. Jung:
seu mito em nossa época. São Paulo: Cultrix, 1997.
______. Mitos de Criação. São Paulo: Paulus, 2003.
JECUPÉ, K. W.
Tupã Tenondé. A criação
douniverso, da terra e do homem segundo a tradição oral guarani. São Paulo: Petrópolis, 2001.
JUNG, C. G. Tipos Psicológicos.
Buenos Aires:
Sudamericana, 1943.
______. O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1997.
______. Os arquétipos e o inconsciente. Rio de janeiro: Vozes,2000.
Neumann, E. História da origem da
Consciiência. São Paulo: Cultrix, 2003.
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